Genoma do mamute sequenciado
É o primeiro genoma de um animal extinto: o mamute-lanoso acaba de ter seu código genético seqüenciado. Trata-se da última espécie do gênero Mammuthus, parente do elefante atual que deixou de existir há cerca de 10 mil anos, durante a última Era do Gelo.
O resultado do trabalho de um grupo de cientistas dos Estados Unidos e da Rússia foi publicado na edição atual da revista Nature. Partes do genoma mitocondrial do animal haviam sido seqüenciadas anteriormente, mas não o seu genoma nuclear.
Por meio do DNA extraído de amostras do pêlo do animal preservado no gelo, os pesquisadores conseguiram montar o genoma contido no núcleo das células do Mammuthus primigenius, que por mais de 100 mil anos viveu em regiões frias no hemisfério Norte.
Por permitir remoção mais fácil de bactérias e fungos, foram analisados pêlos, e não ossos. Outra vantagem é que há menos danos no DNA antigo em pelos, porque tais estruturas envolvem o DNA como se fossem recipientes plásticos, protegendo o ácido desoxirribonucléico da degradação e da exposição ao ambiente.
No estudo, os autores usaram amostras de dois mamutes congelados e encontrados na Sibéria, um com idade estimada em 60 mil anos e outro de 20 mil anos. Embora ainda faltem peças do quebra-cabeça, os cientistas estimam ter seqüenciado mais de 70% do genoma completo do animal.
Os cientistas suspeitam que o genoma completo do mamute-lanoso tenha pouco mais de 4 bilhões de pares de base, que é o tamanho do genoma do elefante africano moderno. Embora o estudo tenha resultado no seqüenciamento de 4 bilhões de pares de base, os autores calculam que, do total, 3,3 bilhões – um pouco mais do que a quantia dos humanos – sejam do mamute, com o restante pertencendo a outros organismos, como bactérias e fungos, que contaminaram as amostras.
Para identificar quais seqüências pertenciam ao mamute ou a outros organismos, o grupo usou uma versão preliminar do genoma do elefante africano, projeto conduzido por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e da Universidade Harvard.
“Apenas após a conclusão do genoma do elefante africano conseguiremos saber ao certo quanto do genoma do mamute-lanoso foi seqüenciado”, disse Webb Miller, professor de biologia, ciência da computação e engenharia da Universidade Penn State, principal autor do estudo.
Segundo a análise inicial, o genoma do mamute difere do genoma do elefante africano moderno em apenas 0,6%. A diferença é cerca da metade da observada entre o homem e o chimpanzé, apesar de o mamute e o elefante terem divergido por volta do mesmo tempo – ou mesmo antes – do que humanos e chimpanzés.
“DNA antigo – obtido de fósseis com até 100 mil anos de idade – é altamente fragmentado, está presente apenas em pequenos traços residuais e está geralmente inundado de DNA de bactérias e fungos. Portanto, a idéia de seqüenciar um genoma completo de uma espécie extinta era, até há pouco tempo, impensável, uma vez que por 30 anos o único método de grande escala disponível – o método de seqüenciamento Sanger [desenvolvido pelo Instituto Sanger, na Inglaterra] –, não se mostrava adequado para a tarefa”, disse Michael Hofreiter, do Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária, na Alemanha, em comentário sobre o estudo na mesma edição da revista.
Mas uma novidade entrou em cena em 2005. Conhecido como método 454, ou piroseqüenciamento, ele permitiu ampliar em várias vezes a magnitude do processo, mais rapidamente e com menor custo. Foi a tecnologia usada agora no seqüenciamento do mamute.
Outros métodos surgiram posteriormente e, com o auxílio de modernos sistemas computacionais, tornaram possível seqüenciar bilhões de pares de base de dados de uma única vez.
O problema é que essas novas tecnologias, também chamadas de shotgun, resultam também em altas taxas de erros. A alternativa, para seqüenciar um genoma completo de um organismo sem erros, é realizar várias operações, de modo a poder subtrair as falhas. Segundo os autores do novo estudo, tal cenário deverá ser possível em poucos anos.
Fontes:
Sequencing the nuclear genome of the extinct woolly mammoth. Webb Miller et al. Nature 456, 387-390 (20 November 2008).
Agencia FAPESP
Genes e Comportamento Social
O DNA determina em boa medida quem são os indivíduos e como eles lidam com os outros. Mas, de acordo com uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, estudos recentes sobre animais sociais – como aves e abelhas – estão dando força à idéia de que, por meio do cérebro, os genes e o comportamento social são uma via de mão dupla, influenciando-se mutuamente.
A pesquisa de revisão, coordenada por Gene Robinson, do Departamento de Entomologia da Universidade de Illinois, foi publicada em matéria de capa da edição desta sexta-feira (7/11) da revista Science. De acordo com Robinson, o estado atual das pesquisas permite que os cientistas partam para a construção de uma explicação molecular para o comportamento social.
De acordo com os cientistas, a informação social é capaz de alterar a expressão genética no cérebro, influenciando o comportamento. Por exemplo, o canto do tentilhão ou zebra-finch (Taeniopygia guttata) macho induz em outros machos a expressão do gene egr1em uma região específica do cérebro dedicada à audição. Essa expressão genética está especificamente ligada à importância social do sinal – isto é, indica se o som vem de um indivíduo conhecido ou de um potencial intruso –, indicando que a resposta genética ajuda o pássaro a reconhecer e reagir a mudanças no ambiente social.
Por outro lado, a variação genética influencia a função cerebral e o comportamento social, como acontece no caso da drosófila, ou mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster). Cientistas identificaram uma variação genética específica que afeta o ritmo do som de acasalamento do animal, que conseqüentemente influencia o comportamento reprodutivo.
Segundo os cientistas, graças aos recentes seqüenciamentos de genomas de vários animais sociais – incluindo as abelhas e os tentilhões – e às novas tecnologias como os microarrays, que permitem vislumbrar a atividade de milhares de genes de uma só vez, os neurocientistas gradualmente estão compreendendo que "existe uma relação dinâmica entre genes e comportamento", disse Robinson. "O comportamento não está gravado no DNA”, afirmou ele.
Além de Robinson, participaram do estudo o professor de biologia da Universidade de Stanford Russell Fernald e o professor de desenvolvimento celular e biológico e neurociências David Clayton, também da Universidade de Illinois.
Segundo Robinson, uma pesquisa coordenada por Clayton em 1992 foi um dos marcos fundamentais para os estudos nessa área. Naquele trabalho, a equipe do cientista descobriu que a expressão do gene egr1 aumenta no cérebro de tentilhões e canários quando eles ouvem um canto novo emitido por um macho da mesma espécie.
O achado não foi inédito: estudos anteriores haviam demonstrado que os genes acendem e apagam quando um animal é treinado para desempenhar uma tarefa em laboratório, segundo Robinson. Mas, quando a equipe de Clayton encontrou essa alteração na expressão gênica em resposta a um sinal social, chamou a atenção para as interações sociais poderosas que podem alterar a expressão genética no cérebro.
Em outro trabalho, Robinson utilizou microarrays para estudar o fenômeno em larga escala e verificou que milhares de genes “ligam” e “desligam” nos cérebros das abelhas em resposta a estímulos sociais.
Um desses genes, conhecido como for (para forrageamento, ou busca de alimento), foi descoberto inicialmente em moscas drosófilas por Marla Sokolowski, da Universidade de Toronto, no Canadá. Esses insetos carregam versões diferentes do gene for para diversos tipos de comportamento de forrageamento. Cada versão dá ao seu portador uma vantagem em certos comportamentos nas condições ambientais.
No estudo publicado em 2002, Robinson e sua equipe relataram que a expressão do for de fato aumentou no cérebro das abelhas enquanto elas se desenvolviam como forrageiras. A manipulação de sua expressão levava as abelhas a forragear precocemente.
Os pesquisadores descobriram também que os fatores sociais, sob a forma de sinais químicos conhecidos como feromônios, induziam a esse aumento do for. As abelhas forrageiras produzem um feromônio que sinaliza para as abelhas mais jovens que já existe uma quantidade de indivíduos suficiente exercendo essa função. Se algumas forrageiras são removidas da colméia, algumas abelhas jovens se desenvolvem precocemente como forrageiras.
"A constatação da idéia de que as diferenças na expressão genética podem ocorrer ao longo de escalas de tempo muito diferentes ajuda a compreender algumas das complexas relações entre genes, cérebro e comportamento. Todos esses elementos interagem", disse Clayton. "A experiência está sempre voltando para o nível do DNA”, declarou.
Fontes:
Genes and Social Behavior. Robinson et al. Science 7 November 2008. Vol. 322. no. 5903, pp. 896 - 900.
Agencia FAPESP