Novas variantes dos alelos do sistema ABO
Após estudos sorológicos e moleculares em pacientes com leucemia, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) conseguiram identificar novas variantes dos alelos do sistema ABO.
De acordo com a coordenadora do estudo, Marcia Zago Novaretti, professora do Departamento de Hematologia, a descoberta ajuda a compreender o sistema ABO, que é o mais importante grupo sangüíneo da medicina para transfusões e transplantes. Os resultados foram publicados na revista Genetics and Molecular Research.
Segundo a professora, a literatura internacional já registrava que pacientes com leucemia podem ter enfraquecimento dos antígenos ABO, ou seja, mostrar uma reatividade mais fraca na tipagem ABO.
“Com os recursos atuais e com a clonagem do gene ABO, estudamos molecularmente pacientes com leucemia para verificar se essa diferenciação se dava em nível molecular ou era apenas um achado sorológico”, disse Marcia à Agência FAPESP. O artigo é um desdobramento de um projeto de Auxílio a Pesquisa que teve apoio da FAPESP e foi encerrado em 2004.
Ao estudar, sob o ponto de vista sorológico e molecular, 108 pacientes com diferentes tipos de leucemia, os pesquisadores encontraram 22 novas variantes de ABO, além das 116 conhecidas. A maior das novas variações se localiza no alelo O.
Participaram do estudo, realizado no Hospital das Clínicas da USP, 51 homens e 57 mulheres, com idade média de 43,4 anos, portadores de leucemia mielóide ou linfóide, crônica ou aguda.
“O estudo pode ajudar a compreender um pouco melhor as leucemias. Não sabemos se essa descoberta será de alguma utilidade em termos de prognósticos, mas ela pode indicar o caminho para estudos que verifiquem se a doença evolui de forma diferente nesses pacientes com essas mutações”, afirmou Marcia.
O estudo é o primeiro relato de um grande número de amostras de pacientes com leucemia genotipados para ABO. “Os resultados mostraram um alto nível de atividade recombinante no gene ABO nos pacientes com leucemia”, disse.
De acordo com a professora da FMUSP, o sistema ABO, localizado no braço longo do cromossomo nove, tem mais de 160 alelos e não está presente apenas na linhagem de células que compõem os elementos do sangue, mas também no endotélio (parte interior dos vasos sangüíneos), em outros tipos de células e até mesmo em secreções. “A complexidade do sistema exigia que realizássemos estudos moleculares”, explicou.
Associação com doenças
Como o sistema ABO persistiu ao longo da evolução da espécie, os cientistas estimam que ele tenha alguma função específica, que, no entanto, ainda não foi esclarecida. Ao entender melhor o funcionamento do sistema, poderão surgir pistas de quais seriam as variantes ou mutações críticas para especificidade e atividade dos antígenos ABO.
“Sabemos que há associação do sistema ABO com algumas doenças. Indivíduos de grupo O, por exemplo, têm úlceras duodenais com mais freqüência. Além disso, o sistema pode ter uma expressão aberrante em algumas células malignas – isto é, a distribuição do grupo sangüíneo pode ser desigual entre indivíduos com uma determinada doença”, destacou Marcia.
Segundo ela, depois da classificação sorológica, com a realização da tipagem testada para antígenos, todas as amostras tiveram o DNA extraído. Em seguida, passou-se ao estudo molecular com o PCR alelo-específico- técnica usada para detectar mutações específicas - seguida pelo seqüenciamento do gene ABO.
A autora afirma que estudos moleculares sistemáticos do gene ABO em grupos diferentes de pacientes possivelmente deverão levar ainda à descoberta de novas variantes ABO.
Fontes:
ABO genotyping in leukemia patients reveals new ABO variants Marcia Zago Novaretti et al.
Agencia FAPESP
Variacoes geneticas e distribuicao geografica
Nos últimos 30 anos, a capacidade de estudar variações em seqüências de DNA levou a um grande aumento no conhecimento da história e das relações entre populações humanas. Agora, um novo estudo acaba de dar um passo além nessa compreensão, após concluir uma extensiva análise das diferenciações genéticas do homem.
Publicada na edição de 22/2/2008 da revista Science, a pesquisa, feita por um grupo de cientistas de instituições dos Estados Unidos e da França, analisou 650 mil variações genéticas comuns em 938 indivíduos de 51 populações diferentes.
O estudo, coordenado por Jun Li, do Departamento de Genética da Escola de Medicina da Universidade Stanford, destaca a evolução de populações humanas modernas a partir de áreas geográficas reduzidas, bem como sua distribuição pelo planeta.
Os cientistas observaram um padrão na distribuição da freqüência dos alelos ancestrais que se reflete na variação das dinâmicas populacionais em regiões geográficas.
Os pesquisadores conseguiram descrever as origens genéticas de oito grupos diferentes na Europa e quatro no Oriente Médio. Os dados obtidos apóiam o modelo de distribuição “para fora da África”, segundo o qual os primeiros humanos modernos teriam saído desse continente para colonizar o resto do mundo.
De acordo com o estudo, variações genéticas dentro de populações são responsáveis pela maior parte da diversidade genética humana. Mas os resultados também destacaram a importância das variações entre populações.
“Os resultados, entretanto, nada dizem a respeito da origem e da distribuição da variação fenotípica humana. Algumas regiões do genoma podem ter experimentado divergência acelerada devido à seleção local à medida que humanos anatomicamente modernos se espalharam pelo globo durante os últimos 100 mil anos, adaptando-se a uma grande variedade de hábitats e climas”, afirmaram os autores.
Fontes:
Worldwide Human Relationships Inferred from Genome-Wide Patterns of Variation Jun Z. Li et al. Science 22 February 2008 319: 1100-1104.
Agencia FAPESP
Gene da puberdade precoce
Um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) revelou pela primeira vez evidências da associação de um defeito em um gene com a puberdade precoce central.
Depois de estudar o DNA do sangue de 53 crianças com puberdade precoce central, os pesquisadores identificaram uma mutação no gene GPR54 em uma menina. O GPR54 é um receptor que quando ativado por uma proteína denominada kisspeptina é responsável por regular a secreção de hormônios que desencadeiam a puberdade.
O estudo, cuja primeira autora é a doutoranda Milena Gurgel Teles, foi publicado na revista norte-americana The New England Journal of Medicine. A pesquisa faz parte de um projeto temático da FAPESP coordenado por Ana Claudia Latronico, orientadora de Milena.
De acordo com Ana Claudia, até agora a maioria dos casos de puberdade precoce central em meninas não tinha uma etiologia, isto é, não tinha uma causa conhecida. Nos meninos, os casos são muito mais raros e, geralmente, relacionados a tumores no sistema nervoso central.
“Trabalhos anteriores mostravam que 20% das meninas afetadas tinham familiares que também apresentavam história de puberdade precoce, o que sugeria o envolvimento de fatores genéticos. Mas, pela primeira vez, evidenciamos uma causa relacionada a um gene”, disse à Agência FAPESP.
físicas ocorrem por volta dos 10-11 anos entre as meninas, e em torno dos 12-13 entre os meninos Segundo a pesquisadora, o processo puberal, caracterizado por mudanças físicas características, tais como mamas nas meninas e pêlos corporais nos meninos, ocorre entre 10 e 11 anos nas meninas e entre 12 e 13 anos nos meninos. Mas só quando ele ocorre antes dos 8 anos em meninas e dos 9 em meninos é considerado puberdade precoce.
“Em cerca de 90% dos casos, as meninas com puberdade precoce central não apresentam lesões no sistema nervoso central que justifiquem o aparecimento do problema”, disse.
Segundo a cientista, quando o problema está relacionado às gonadotrofinas – hormônios produzidos no hipotálamo e na hipófise que produzem ovários e testículos – trata-se da puberdade precoce central. “Essa forma de puberdade precoce é muito mais freqüente entre as meninas, que podem apresentar mamas e menstruação mesmo antes dos 5 ou 6 anos de idade”, disse Ana Claudia.
Os pesquisadores avaliaram 53 casos de puberdade precoce central, sendo 48 em meninas e três em meninos. Uma das meninas apresentou um defeito no gene GPR54, que regula a secreção do hormônio GnRH, estimulador das gonadotrofinas hipofisárias.
“O defeito que identificamos age como um ativador do receptor, por isso a criança tem mais hormônios em uma idade que não era a esperada. Esse é provavelmente o primeiro gene identificado entre vários outros que possivelmente estão implicados no início da puberdade e portanto representam potenciais causas desse problema", disse a professora associada da FMUSP.
A puberdade precoce não é rara. Ela afeta cerca de um indivíduo a cada 10 mil. “Em termos estatísticos não é um problema raro. Felizmente, embora as causas sejam desconhecidas, os tratamentos disponíveis hoje são muito efetivos”, disse Ana Claudia
O tratamento utilizado é a medicação conhecida como agonista de GnRH, um tipo de hormônio que bloqueia a síntese e liberação das gonadotrofinas, administrado em injeções mensais ou trimestrais.
“Quando não é tratada, a puberdade precoce pode fazer a menina menstruar muito cedo. A principal conseqüência é a baixa estatura na vida adulta. A pessoa, em geral, fica com menos de 1,50 metro. O tratamento, embora seja caro, é muito eficaz”, afirmou.
A descoberta do fator genético relacionado ao problema, de acordo com a pesquisadora, não afetará os tratamentos. “O objetivo era contribuir para compreender como agem os hormônios, como funciona o mecanismo que desencadeia a puberdade e entender a fisiopatologia do problema”, disse.
“Os mecanismos que controlam esse início da puberdade ainda são misteriosos. Queremos entender como polimorfismos em genes podem modular a idade de inicio da puberdade. E também como as mutações genéticas podem explicar as patologias puberais”, destacou.
Fontes:
A GPR54-Activating Mutation in a Patient with Central Precocious Puberty. Milena Gurgel Teles et al. New England Journal of Medicine Volume 358:709-715 February 14, 2008 Number 7.
Agencia FAPESP
Engenharia genetica
Pesquisadores criaram uma técnica capaz de utilizar moléculas de DNA para construir estruturas tridimensionais feitas de nanopartículas de ouro.
Moléculas sintetizadas de DNA foram anexadas a minúsculas esferas de ouro. Com a técnica, ao mudar as seqüências de bases do DNA, os pesquisadores conseguiram construir estruturas cristalinas de formas diferentes. O método, resultado de uma década de pesquisas, foi descrito em artigo publicado na edição desta quinta-feira (31/1) da revista Nature.
De acordo com os autores, a técnica é um passo fundamental para o desenvolvimento de materiais funcionais que utilizem o princípio de automontagem programável. A abordagem deverá permitir o uso de materiais inorgânicos para construir estruturas com propriedades específicas para aplicações como terapias, biodiagnósticos, óptica, eletrônica ou catálise.
A maior parte das gemas, como diamantes, rubis e safiras, são materiais inorgânicos cristalinos. Em cada estrutura de cristal, os átomos têm uma disposição precisa que dá a cada material suas propriedades únicas. As conhecidas propriedades de dureza e refração do diamante, por exemplo, decorrem de sua estrutura: a localização precisa de seus átomos de carbono.
Os pesquisadores utilizaram o DNA para orientar a montagem do cristal. A mudança da seqüência de bases da fita de DNA muda o projeto e, conseqüentemente, o formato das estruturas cristalinas. Os dois cristais descritos no estudo, ambos feitos de ouro, têm propriedades distintas porque as partículas foram arranjadas de forma diferente.
“Agora estamos mais próximos do sonho de separar tudo em blocos construtivos fundamentais – que, para nós, são as nanopartículas – e reorganizá-los com a estrutura que quisermos para obter as propriedades necessárias para determinadas aplicações”, disse Chad Mirkin, um dos autores do estudo e diretor do Instituto Internacional de Nanotecnologia da Universidade Northwestern.
Os cientistas trabalharam com partículas de ouro de cerca de 15 nanômetros de diâmetro e anexaram a cada uma delas fitas duplas de DNA, sendo que uma fita era sempre mais longa que a outra.
A parte de fita simples do DNA, a maior, serviu, segundo os cientistas, como um “DNA de ligação”, que procura uma fita simples complementar anexada a outra nanopartícula de ouro. A conexão das duas fitas simples completa a dupla hélice, ligando fortemente as nanopartículas entre si.
Cada nanopartícula de ouro teve múltiplas fitas de DNA anexadas a sua superfície, levando as nanopartículas a fazer ligações em diversas direções, resultando em uma estrutura tridimensional: um cristal. Cada seqüência diferente de DNA de ligação resultou em um tipo diferente de estrutura cristalina.
“Nós observamos até mesmo um caso em que o mesmo DNA de ligação resulta em diferentes estruturas, dependendo da temperatura em que as partículas são misturadas”, disse Mirkin.
Utilizando raios X de alta energia produzidos por uma fonte de luz síncrotron no Laboratório Nacional Argonne, em associação com simulações computacionais, a equipe conseguiu imagens dos cristais para determinar a disposição exata das partículas na estrutura. Os cristais resultantes tinham cerca de 1 milhão de nanopartículas.
“Os cientistas levaram décadas para aprender como sintetizar o DNA. Agora, sabemos como utilizar a forma sintetizada fora do corpo para organizar matéria inorgânica de maneira útil, o que é realmente espetacular”, destacou Mirkin.
A equipe utilizou apenas um tipo de bloco elementar – as esferas de ouro –, mas, quando o método for mais desenvolvido, uma série de blocos de diferentes tamanhos poderá ser empregada, além de diferentes composições (ouro, prata e partículas fluorescentes, por exemplo) e diferentes formas (esferas, discos, cubos e triângulos).
O controle da distância entre as nanopartículas também é fundamental para as funções das estruturas. “Quando chegarmos a isso, poderemos construir o que bem entendermos. As regras que governam a automontagem agora são conhecidas. Determinar como combinar nanopartículas em estruturas interessantes é um dos grandes desafios nesse campo”, disse Mirkin.
Fontes:
DNA-programmable nanoparticle crystallization. Sung Yong Park et al. Nature 451, 553-556 (31 January 2008).
Agencia FAPESP