Diversidade do genoma humano
A idéia de que o genoma de duas pessoas quaisquer é igual em 99,9% de sua composição acaba de ser oficialmente aposentada. Do ponto vista da genética, não somos tão idênticos quanto pensávamos. Cientistas confrontaram o código genético de centenas de indivíduos e descobriram diferenças significativas em até 12% dos 3 bilhões de pares de base (as famosas “letra químicas”) que compõem o genoma humano. Algumas pessoas têm cópias a mais ou a menos de certos genes e exibem grandes trechos de DNA repetidos ou apagados em seu genoma. A noção de que haveria um genoma humano padrão, que seria representativo de toda a espécie, não se sustenta mais.
Essa é a principal conclusão que se pode tirar de uma série de estudos publicados nesta semana nas revistas Nature, Nature Genetics e Genome Research. Um grupo formado por pesquisadores de cinco países apresentou um novo mapa do genoma humano destacando essas grandes diferenças que podem existir no material genético das pessoas. A equipe internacional analisou o genoma de 270 pessoas de origem européia, africana ou asiática e conseguir mapear cerca de 1500 variações no número de cópias de grandes seqüências de DNA conhecidas pela sigla CNV (do inglês copy-number variations). “Cada um de nós tem um padrão único de perdas e ganhos de trechos inteiros de DNA”, diz Dr Matthew Hurles, do Sanger Institute, da Inglaterra, um dos pesquisadores envolvidos nos estudos.
Os pesquisadores acreditam que essas grandes divergências resultam em diferentes níveis de expressão de certas proteínas, o que pode, no final das contas, explicar a heterogeneidade da espécie humana, estar por trás de características próprias a populações de diferentes etnias e ser a origem de muitas doenças.
Até recentemente, os geneticistas diziam que havia basicamente pequenas distinções entre o genoma de distintas pessoas, em geral alterações de uma “letra química”, chamadas tecnicamente de SNPs, que ocorriam em certas regiões do código genético. Agora os cientistas descobriam que as diferenças no genoma humano são de magnitude muito maior que os SNPs.
Em cada indivíduo analisado pelos autores dos novos trabalhos, foram encontradas cerca de 70 CNVs, cada uma com tamanho médio de 250.000 pares de bases. Alguns indivíduos, no entanto, exibiam trechos de até um milhão de pares de bases que simplesmente não existiam em outros. O grupo de pesquisadores também comparou dados dos dois grandes projetos internacionais de seqüenciamento do genoma humano, o público e o privado, bancado pela empresa Celera, em busca das tais CNVs.
Todos os cromossomos humanos apresentam CNVs e metade delas ocorre em regiões do genoma com genes previamente conhecidos. Os autores encontraram nessas regiões genes ligados a doenças como esquizofrenia, catarata, atrofia muscular espinhal, e arteriosclerose. Há algum tempo se sabe que diferenças no número de cópias dos genes de proteínas do sangue são responsáveis por doenças como a talassemia, um tipo de anemia genética.
Fontes:
O genoma humano é mais diverso do que se pensava. Revista Pesquisa Fapesp
Global variation in copy number in the human genome. Richard Redon et al. Nature 444, 444-454.
Genoma do BCG
O genoma de uma cepa de BCG (Bacilo Calmette-Guérin) utilizada para a produção de vacinas foi seqüenciado. O trabalho durou dois anos e foi realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
“É também a primeira vez que uma instituição pública brasileira, sem o auxílio de um grande consórcio, consegue fazer o seqüenciamento integral de um genoma bacteriano”, disse Leila Mendonça Lima, coordenadora do estudo e pesquisadora do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O trabalho da Fiocruz servirá, em princípio, para o aprimoramento do controle de qualidade da vacina fabricada no país pela Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), que produz os 20 milhões de doses comprados anualmente pelo Ministério da Saúde.
“Apesar de o controle atual de produção da vacina ser extremamente rigoroso, com mais de 700 exigências técnicas a serem seguidas pela FAP, as ferramentas moleculares desenvolvidas com os dados do seqüenciamento tornarão a verificação genética das vacinas bem mais rápida e barata”, disse Leila.
A longo prazo, o seqüenciamento abre também a possibilidade de elaboração do BCG recombinante como veículo vacinal. “A engenharia genética permite a inserção de novos genes que ainda não estão no BCG para a codificação de proteínas que protegem o organismo de outras doenças”, explica a pesquisadora da Fiocruz.
Segundo Leila, essa linha de pesquisa poderá servir tanto para aumentar a potência da vacina contra a tuberculose e diminuir seus efeitos colaterais como para criar uma única solução que imunize contra duas ou mais doenças, o que só será possível após pelo menos dez anos de ensaios clínicos. Luiz Roberto Castello Branco, diretor científico da FAP e pesquisador do Departamento de Imunologia do IOC/Fiocruz, também coordenou os trabalhos.
Etapas do seqüenciamento A partir da extração do DNA genômico da bactéria em uma cultura fornecida pela FAP, os pesquisadores da Fiocruz dividiram o DNA em pedaços menores e clonaram esses fragmentos, gerando bibliotecas genômicas utilizadas para o seqüenciamento.
“A abordagem utilizada para a obtenção da seqüencia genômica do BCG Moreau RDJ foi o seqüenciamento shotgun, com base nas bibliotecas genômicas criadas. Com esse método, que se baseia no seqüenciamento randômico, o genoma é montado gradualmente a partir do alinhamento das seqüências geradas”, explica Leila.
A pesquisadora conta que, com o auxílio da bioinformática, os fragmentos de DNA se alinharam até chegar à seqüência única do cromossomo bacteriano. Como não foi possível o seqüenciamento completo apenas com a técnica de shotgun randômico, o genoma foi concluído em uma etapa final, em que os pedaços que faltaram foram obtidos por meio de técnicas de reação em cadeia da polimerase (PCR).
A pesquisadora comparou o seqüenciamento a um álbum de figurinhas. “Em um primeiro momento, todos os pacotinhos adquiridos apresentam uma informação nova. A partir de certo ponto, o custo-benefício que se tem com a compra dos pacotes passa a não valer mais a pena devido ao alto índice de repetição dos dados”, disse.
O ideal, nesse caso, seria direcionar a abordagem apenas para as figurinhas que faltam, o que poderia ser resolvido com o envio de uma carta para a editora. “No seqüenciamento, obtemos os pedaços que faltam com PCR, etapa que, apesar de ser mais lenta, traz somente informações novas”, explica.
O trabalho identificou aproximadamente 4,3 milhões de pares de bases no genoma da bactéria. A tuberculose é causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, também conhecida como bacilo de Koch. A doença é transmitida pelas vias respiratórias, por meio de gotículas de escarro eliminadas com a tosse ou espirro.
Fonte:
Agência FAPESP
Genoma do neandertal
Dois estudos conseguem seqüenciar mais de 1 milhão de pares de base do DNA do
Homo neanderthalensis.A genômica acaba de dar um passo para trás. Um passo de milhares de anos e muito importante para entender melhor e evolução humana. O mais próximo parente do homem moderno, o neandertal, acaba de ter parte do seu DNA seqüenciado.
Em artigo publicado na edição de 16 de novembro da revista Nature, um grupo internacional de pesquisadores liderado por Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, na Alemanha, descreve a análise de 1 milhão de pares de base do DNA do Homo neanderthalensis.
A análise detalhada do genoma da espécie, extinta há cerca de 30 mil anos, oferece uma oportunidade inédita para conhecer as mudanças genéticas que acompanharam a transição dos antigos hominídeos ao homem moderno.
Os cientistas compararam os pares de base do DNA de um fóssil de 38 mil anos, encontrado na Croácia, com os genomas do homem e do chimpanzé. Os resultados sugerem que o neandertal e o homem se separaram em espécies distintas há cerca de 516 mil anos.
Outro estudo, que será publicado na edição de 17 de novembro da Science, feito por um grupo diferente, mas em colaboração com a equipe de Pääbo, aponta que o mais recente ancestral comum às duas espécies teria vivido há cerca de 706 mil anos.
Essa segunda pesquisa, liderada por Edward Rubin, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos, examinou 65 mil pares de base do DNA do neandertal e estimou que a espécie tem 99,5% de seu genoma idêntico ao do homem moderno.
Apesar da semelhança, não há evidências de extensivos cruzamentos entre as espécies ou de que o neandertal tenha contribuído para a assinatura genética do homem. O que o resultado destaca é que está no mero 0,5% restante o alvo dos cientistas para descobrir mais sobre a espécie e sobre a evolução humana.
Fontes:
Sequencing and Analysis of Neanderthal Genomic DNA. James P
et al. Science 17 November 2006 314: 1113-1118 .
Analysis of one million base pairs of Neanderthal DNA. Richard E. Green et al. Nature 444, 330-336, 16 November 2006.
Agência FAPESP
Virus bacteriofagos marinhos
Um balde de água do mar contém mais microrganismos do que o número de humanos no planeta.
Os oceanos estão cheios de vida, sejam elas grandes, pequenas ou microscópicas. E são essas últimas, de longe, as mais presentes, especialmente os vírus. Mas, apesar de representarem a mais comum entidade biológica no ambiente marinho, ainda não foi feito um levantamento global dos tipos de vírus marinhos ou de sua distribuição.
Um novo estudo procurou avaliar o cenário para o mais comum desses vírus, os bacteriófagos, que atacam bactérias. Apesar das reduzidas dimensões, são microrganismos extremamente abundantes. Em um único balde de água do mar há um número maior desses organismos do que o de humanos no planeta.
O resultado de tamanha presença é um enorme impacto ecológico. Em artigo publicado na PLoS Biology, o grupo liderado por Florent Angly, do Departamento de Biologia da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos, detalha os resultados de um levantamento sobre a diversidade de bacteriófagos em amostras de água recolhidas durante dez anos em 68 locais de quatro regiões oceânicas: Golfo do México, Mar de Sargasso, costa da Colúmbia Britânica e Oceano Ártico.
Os pesquisadores analisaram características genéticas, a diversidade e a distribuição geográfica das amostras. A diversidade foi a maior surpresa, ao verificarem que 91% das seqüências de DNA dos vírus não estavam presentes em bancos de dados genéticos.
Ao estudar a distribuição dos bacteriófagos, os cientistas descobriram uma relação entre distância geográfica e distância genética das espécies, que sugere variações entre os conjuntos de vírus de uma região para outra. As amostras do litoral canadense apresentaram a maior diversidade genética entre as analisadas, resultado consistente com o ambiente mais rico em nutrientes. As demais amostras apontaram que, quanto menor a latitude, maior era a diversidade de espécies.
A partir dos resultados obtidos, os pesquisadores estimaram que os oceanos terrestres contenham espécies de vírus na casa das centenas de milhares, sendo que a maior parte está em regiões específicas, que concentram maiores diversidades.
Fontes:
The marine viromes of four oceanic regions. Florent E. Angly
et al. PLoS Biology Volume 4 | Issue 11 | NOVEMBER 2006.
Agência FAPESP
Gene da fome
Equipe de pesquisadores suíços e franceses identificou o gene responsável pela difusão dos sinais de fome, informou hoje a Universidade de Freiburg.
O estudo, realizado por Urs Albrecht (da Universidade de Freiburg) e por Etienne Challet (do centro universitário Louis Pasteur, em Estrasburgo), foi publicado pela revista científica
Current Biology. A pesquisa mostra que um gene, batizado de
Per2, está ativo tanto no cérebro como no restante do corpo.
A sincronização das horas das refeições com as reações físicas ligadas à fome "constitui uma base muito promissora para elaborar tratamentos contra a obesidade, contra os distúrbios de sono e contra o alcoolismo", afirmou a Universidade de Freiburg, em comunicado à imprensa.
Segundo os pesquisadores, "a alteração do relógio interno do ser humano pelos trabalhos noturnos ou pelo fuso horário" tem como conseqüência uma maior necessidade de ingerir álcool e pode influenciar de maneira indireta o peso corporal.
Fontes:
Lack of Food Anticipation in Per2 Mutant Mice. Céline A. Feillet et al. Current Biology, Vol 16, 2016-2022, 24 October 2006
Folha Online